Bruno Canato, UX Lead da Try Consultoria e Pesquisas, compartilhou conosco sua experiência no meio digital e dicas para os futuros profissionais e simpatizantes de user experience.
Leia a entrevista completa abaixo:
Conte-nos um pouco de sua experiência nesses 13 anos trabalhando no meio digital.
Comecei a trabalhar em 2005 em uma agência digital, chamada Tesla. O mercado digital era muito diferente então – a penetração de digital era consideravelmente menor, ainda não havia smartphones e o investimento em digital como mídia era tímido. Como consequência, naquela época, as agências digitais se preocupavam muito mais em construir experiências do chão. Comecei como estagiário de redação, mas sendo curioso comecei a perguntar muita coisa sobre gestão de projetos e também de arquitetura de informação – ou AI, um dos muitos aspectos que podem melhorar a experiência do usuário e que por muitas vezes hoje é preterido por profissionais da área. Por indicação de um colega de trabalho, fui fazer uma entrevista parta trabalhar em conteúdo em uma empresa do grupo Viacom – não aconteceu, mas fui indicado para a agência que trabalhava com essa empresa. Foi nessa segunda agência, a Fbiz, que comecei a trabalhar com AI.
Em 2006 a 2010, pude construir muita coisa do zero. Atuei com marcas da Unilever (AXE, Kibon, Seda), bancos (Nossa Caixa, Bradesco), telcos (Claro, Vivo, Telefonica), cosméticos (L’bel, Natura), cias aéreas (Azul) e mais. Participei também de projetos parrudos de migração, como a virada de chave de Nokia para toda América Latina. Foi um período que me marcou bastante porque eu entendi e senti na pele que nada seria possível se eu realmente não me aprofundasse no negócio dos clientes, porque nenhum formato de briefing sacia as necessidades de um projeto de experiência do usuário.
Passei por diversas empresas depois da Fbiz – Wunderman, iThink, Razorfish, Digitas. Sempre que eu mudava de emprego, estava buscando duas coisas – novos clientes e potencialmente novas indústrias que me ensinassem coisas, e outros profissionais que fossem capazes de completar meus conhecimentos.
Nos anos seguintes, o mercado começou a mudar mais ainda. A forte entrada de smartphones, que colocaram as pessoas em contato em escala com a internet, associada ao peso das redes sociais, transformou o mercado de digital também em um mercado de mídia aos moldes da propaganda tradicional – a princípio, acreditei que essa mudança impedia o mercado de UX de crescer no Brasil. Experimentei com planejamento de comunicação quando mudei para a CUBOCC, mas não fiquei satisfeito – minha escola em experiência do usuário sempre me fazia pensar que havia diversos pontos que apenas comunicar não resolviam. Foi um período em que aprendi muito sobre mídia e KPIs, e que hoje contribui demais pra minhas conversas. Logo menos, mesmo no Brasil, players consideráveis como o Nubank começavam a despontar e acelerar o debate de experiência do usuário.
Nos últimos três anos tenho me dedicado como UX Lead na Try, e temos visto a conversa se tornar cada vez mais inteligente, mais informada, mais exigente. Comparando a 2005, construíam-se coisas por falta de alternativa., Hoje, faz-se por deliberação e necessidade de negócios. Comparando a 2012, quando estava na CUBOCC, ainda se deseja disseminar a marca, mas a amarração entre vários pontos de contato está cada vez mais crítica. O mercado está mais sofisticado e isso é uma boa coisa para quem está disposto – as empresas ainda não tem repertório para fazer, mas desenvolveram mais e mais tino para demandar. Além disso, eu sinto as empresas até a tampa com demandas, e a pessoa que trabalha com UX ganha muito espaço quando consegue se posicionar não somente como um especialista, mas como um aliado em desembaraçar as coisas que elas sozinhas não conseguem. São ótimos momentos, de fato.
Ouvir o usuário é fundamental para seu trabalho, correto? Como fazer isso de forma estratégica para extrair o melhor deles?
É tão fundamental que hoje em dia não consigo me imaginar não usando do meu tempo para ouvir as pessoas!
Acredito que existem muitos erros de percurso no mercado causados pelo apreço que se tem por ferramentas – ainda mais em mercados marcados pela tecnologia, como é o caso de digital – e também pela auto-referência – e aqui a propaganda é o exemplo mais tradicional. Escutar o usuário serve para moldar os produtos do nível mais macro, guiando o fit do produto com o mercado, até o mais micro, de percepções e fraseamento.
Quando dou aulas eu sempre comento – quando você se predispõe a ouvir os usuários, você precisa ter em mente que está procurando coisas específicas, e sair do discurso imediato. Com efeito, muita pesquisa consegue entregar que as pessoas gostariam de preços mais baixos e usariam coisas que lhes parecem legais, só que isso é muito pouco para uma estratégia. Ouvir o usuário começa a entregar valor quando se torna um canal para entendermos os espaços ocupados e vagos em sua cabeça, o que compõe a concorrência de atenção e de gastos e as causas por trás dos fatos observados.Por isso, eu sempre recomendo que busquem menos “sim” e “não” e menos um conglomerado de histórias passadas que exemplifiquem a relação das pessoas com os assuntos. Embora rudimentar, essa é a verdadeira semente da experiência do usuário.
Todos os insights coletados nas entrevistas com usuários são usados no projeto?
Em teoria, sim. Mas entenda – a ideia de pesquisa não é decidir, mas sim traçar hipóteses e discutir. Por isso mesmo, acho que vale desambiguar que nem tudo que se escuta em entrevista é um insight. Num caso recente, por exemplo, ouvimos de um cliente potencial que, “se vocês melhorassem o fluxo de compra, com certeza eu compraria”. Entretanto, ao longo da entrevista vimos que não havia nenhum indício de que a pessoa de fato se interessasse pela oferta em questão. Essa declaração é o sonho de um departamento de marketing, mas o profissional de UX precisa cavar mais em busca de um insight – que seria mais um a causa profunda de um sintoma manifesto.
Também precisamos pegar os insights e ordená-los de acordo com o mundo real, e é aqui que o pessoal de UX e Produto ganham espaço – ordenando a vida das empresas numa linha do tempo do que é factível e mais interessante.
Qual a importância do UX Research no lançamento de um produto?
Total, e em todas etapas do ciclo de vida, se vier com parcimônia. É importante fazer boas pesquisas – com menos “você usaria esse produto?” e mais “que problema da sua vida você resolve com isso?” ou “qual o impacto dessa ferramenta no seu trabalho?” A grande armadilha é fazer uma pesquisa que foca no futuro do pretérito – no “gostaria”, no “quereria” – e não nos contextos de vida da pessoa. É importante entender que as experiências quase nunca acontecem em salas brancas de pesquisa – e que as pessoas experimentarão tudo em circunstâncias longe das ideais de tempo, dinheiro, conexão e tela.
Quando bem executada, a pesquisa permite que as pessoas enxerguem gaps de uso e de comunicação – e é aqui que criamos um espaço diferente na mente das pessoas, menos focadas nas tradicionais USPs da propaganda e mais levando em contato um objeto próximo à pessoa.
Você acredita que as empresas estão mais preocupadas com a experiência do usuário atualmente?
Sim! Mas não porque UX vá salvar o mundo, e é bonzinho. As empresas passam por uma certa crise institucional – ser parte de uma grande corporação já não é um sonho dourado. As pessoas passaram a adorar empresas novas fundadas com tecnologia, como Google, Facebook, Uber, e que permeiam nosso cotidiano. O manifesto de marca já não é o suficiente, e o fazer venceu o falar, de certa forma. E já que elas permeiam nosso cotidiano, todo mundo criou um repertório de como experiências mediadas por interfaces deveriam acontecer – já cansei de começar conversas com clientes que achavam que pessoas com menos poder aquisitivo ou mais velhas não saberiam usar um app, só para serem negados em testes de usabilidade em smartphones.
A concorrência está desenhada. Ela é nova, não é só dentro de um setor – isso apavora as empresas, e as coloca para discutirem mais a experiência do usuário. As receitas e fórmulas estão dadas para quem comprava um tênis de outra marca comprar o da sua empresa, mas como fazer a experiência de compra de um tênis ser tão boa ou melhor que pedir uma pizza num iFood ou Spoon Rocket é a grande questão que assola as corporações. Ë essa a efervescência que faz com que as empresas se preocupem mais com UX.
Qual conselho você deixa aqui para os futuros profissionais e simpatizantes de UX?
Sempre que falo com alguém eu dou os mesmos conselhos. Primeiro, seja bem cara de pau – aproveite que somos uma comunidade, com uma produção legal e com gente muito aberta, para puxar papo com as pessoas, esclarecer dúvidas e fazer contatos. Segundo, seja inquieto(a). Entenda que não existe UX sem conhecimento e que, para projetar, você precisa saber. Se ao final de uma primeira conversa você achar que entendeu tudo, presuma que não enxergou alguma(s) pergunta(s). Terceiro, procure profundidade – livros, debates, pessoas inspiradoras. Não seja escravo de ferramentas e style guides, porque eles também caducam. Entenda o que fez com que eles fossem relevantes naquele momento e você terá combustível por muitos anos.
Bruno Canato, UX Lead da Try Consultoria e Pesquisas
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